Quando não se há do que falar, sempre vale falar de sexo. Porque, queira ou não, faça ou não, provavelmente é o único tema que nunca saiu de moda e passou incólume às cruzadas, aos descobrimentos e às revoluções. Isso o torna uma instituição histórica mais sólida que a Igreja Católica, por exemplo. E é por isso que Marcos não foi para a missa de domingo e tentava convencer Daniela de que era melhor pecar em casa mesmo.
Já a dor de cabeça, provavelmente, surgiu como uma ação de contracultura às decapitações, aos enforcamentos e às fogueiras. E também atravessou ilesa todas as últimas fases históricas, atingindo mais mulheres do que homens, numa absurda proporção. E agindo como o mais eficiente anticorpo de seus organismos. E é por isso que Daniela não saiu do sofá xadrez e tentava convencer Marcos de que era melhor pedir comida chinesa, umas cervejinhas e passar a noite com algum crédito divino.
A história, portanto, fez a deontologia sexual instituir a dor de cabeça como o extremo oposto do ato em si ou de qualquer uma de suas ramificações. Disso Marcos se lamentava enquanto Daniela deixava cair no sofá xadrez um broto qualquer de bambu e enquanto o calor de Brasília esquentava uma Skol e enquanto uns homens falavam de futebol na tevê e enquanto a primeira formiga sem enxaqueca se aproveitava do molho agridoce e enquanto o que havia de mais pecaminoso naquela sala eram as imagens mentais que vinham junto dos barulhos que insistiam em chegar da parede ao lado.
E enquanto Daniela comia a primavera em rolinhos e o outono atravessava o corpo de Marcos e o verão enquadrava somente a cerveja e o inverno parecia questão de tempo, Marcos decidiu que um apartamento como o do vizinho era seu lugar. Perdeu as bases, largou as traves, pegou as chaves e pensou em se apressar.
Mas só precisou se levantar para decidir que não importava muito em que estação estava, que o que valia era fazer com que a cerveja lhe desse o que a dor de cabeça não pudera lhe dar. Porque dor de cabeça maior era deixar que uma dor de cabeça qualquer derrubasse as folhas de uma forma que nenhuma primavera pudesse chamar de volta.
5 comentários:
amei.
Braitner,
Parabéns pela iniciativa do Blog e pelos textos! Gostei demais!
Abusando da interatividade que o Blog pressupõe, sugiro:
- Na frase "...a cerveja lhe desse o que a dor de cabeça não pudesse lhe dar." => Não ficaria melhor empregar o verbo na conjugação "pudera".
Abraço, sucesso!
genial.
Verdade, fica melhor com "pudera" mesmo.
E valeu pela visita, pessoal. :)
"A noite cai, o frio desce, mas aqui dentro predomina esse amor que me aquece..." - o que a Sandy diria sobre as quatro estações.
:)
Postar um comentário