Uma infecçãozinha de garganta me fez aceitar a intimação de mamãe e vir passar o fim de semana em Unaí - tomando por fim de semana o período entre quarta-feira e domingo. Fazia quase um mês que eu não vinha pra cá. Mas aquilo que seria um preview das férias tem sido interessante.
Lembro bem do nó na garganta logo em que cheguei na cidade, quarta à tarde. Não havia sombra das luzes de Natal! E não tinha movimento natalino, em pleno dia 9. Sinal de que a cidade cresceu e não acredita mais em Papai Noel. Eu seguia lembrando da infância comendo panetone, na lojinha da vovó, perto da meia-noite do dia 24. Ou o lombo trançado que mamãe fazia, na lojinha da vovó, perto da meia-noite do dia 23. Ou o sorvete de panetone que dindinha fazia, na lojinha da vovó, perto da meia-noite do dia 22. Eu sentia o gosto daquilo enquanto acelerava pra continuar na avenida e entregar pra coleção da vovó um frila que peguei pro Jornal de Brasília. Eu cresci, a cidade cresceu, mas a vovó ainda tá lá, firme nos seus poucos metros quadrados em que as clientes também não crescem, me chamam por nome e dizem como eu cresci.
O dia 10 foi mais incisivo. Unir três pontos cruciais da vida em uma só cena é coisa cinematográfica, fantástica. Ali estavam uma criancinha, um jovem ambicioso e... bem, o que estou virando, seja lá o que for. Algo meio Ieri, Oggi, Domani, aquele do Vittorio De Sica. Tirando o ponto de que nenhum dos meus três personagens é uma prostituta, juro. Tudo isso quando, enquanto caminhava avoado ouvindo Ligabue, vi o seu Baltazar.
Quem caminhava era um misto daquele que sou, com aquele que estou virando, com aquele que quero ser. Essas caminhadas que sempre me prometo e nem sempre executo, mas que dessa vez topei fazer depois de uma boa tempestade na cidade. Um reflexo da maturidade que chega com suas doenças e o monte de coisas que me convence a fazer algum exercício físico. Quem ouvia Ligabue era um um jovenzinho ambicioso, que com a música estava finalmente estava aprendendo italiano direito e sozinho, pela primeira vez (sozinho) pensava em fazer jornalismo, finalmente entendia (direito) futebol e implorava por sair dessa cidade de onde agora escreve. A criancinha dá uma história à parte. Adoro a criancinha. E adoro seu Baltazar.
Na memória mais antiga que tenho dos dois juntos, um pirralho ainda meio loirinho no baixo de seus seis anos disparava pelas escadas pra encontrar aquele senhor amável, com um Pralana caramelo desgastado na cabeça. O interfone do prédio estava estragado. Papai havia acabado de ligar avisando que seu Baltazar estava lá embaixo esperando. Seu Baltazar foi um dos ícones da minha infância. Fazia o melhor requeijão da cidade. Ou da cidade que eu tinha aos seis anos. E, o mais importante de tudo, naquele dia seu Baltazar havia guardado as rapas pra mim pela primeira vez. Rapa é uma coisa meio escura que fica no tacho quando se faz o requeijão - e mais gostosa que o próprio. Rapa é coisa boa, acredite. Enquanto morei ali, por nove anos, seu Baltazar sempre levou requeijão. E guardava minha rapa, sempre, num potinho de Doriana. E hoje eu nem sei mais se Doriana ainda existe.
Pois seu Baltazar sumiu depois que fui pro outro lado da cidade. Há uns três anos, papai disse que "o velho morreu". Foi um dia triste. Papai não costuma fazer rodeios para calar a boca de quem o atrapalha a assistir o jornal na TV e provavelmente nem sabia de quem eu perguntava. Feliz foi hoje, enquanto Ligabue cantava que os sonhos são todos grátis, ainda que quase todos já estejam usados. Na Cinecittà, De Sica poderia ter eternizado um velhinho que empurrava sua Monark azul de uma década atrás e cumprimentava um garoto que, aos poucos, avançaria num êxtase silencioso enquanto o senhor se distanciava com um potinho de Doriana em sua garupa. Um ladrão da bicicleta mais importante de uma infância.
2 comentários:
Uau. Que coisa maravilhosa. Sério.
Mas ainda não me convenceu de que rapa é bom. :P
Achei o texto adorável, sério. Adorável.
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