12.5.09

Erro de cálculo

Cinco e quinze e os vigilantes já estavam acordados. Batia fraco o ritmo da noite. Depois de mais um dia de trabalho, o movimento na cidade tinha acabado de cessar e o sol estava prestes a nascer para marcar o fim da rotina daquela quarta-feira. Quando mandou a geladeira lhe dar um refrigerante, Luana ouviu o âncora que lhe lembrava que amanhã era o grande dia. O mundo finalmente ia acabar, segundo as profecias maias.

E acabar assim tão cedo, suspirou enquanto confirmava a programação da casa antes de se deitar. Em pleno século XXIX, que absurdo é alguma coisa acabar com o mundo. Ainda mais com o que todos os países gastavam com segurança nacional e evolução científica. A terra ia tremer por algum motivo inexplicável aos leigos, a água ia tomar conta do que ainda não tinha tomado e todos os dois bilhões de habitantes do planeta seriam dizimados.

O mundo ia acabar e ela só tinha 22 anos. Não tinha nem comprado seu carro. A vida tinha sido dura desde que seus pais morreram, mas justo no momento em que havia conseguido se equilibrar, os maias iam destruir os vivos. Era recalque porque tinham sido destruídos, ela estava certa. Não contentes com a própria morte, resolveram então matar quem quer que nascesse dois milênios depois.

Os lingüistas e os tradutores e os arqueólogos e os paleontólogos haviam passado um bom tempo para interpretar a mensagem maia. Aqueles índios peruanos já haviam tentado destruir o mundo mais três vezes, mas sempre tinha sido só um desastrezinho qualquer. Mas toda essa turma garantia que dessa vez o planeta convergia mesmo para que a profecia se cumprisse. Em 2012, do nada a chuva começou e precisou de três dias para matar quase um bilhão de pessoas.

Bem que podia ser assim de novo. Um bilhão, cinqüenta milhões só no Brasil, não era nada. Na época o mundo tinha muita gente e, não fosse a chuva, não deveria durar por muito tempo mesmo. Outro bilhão desse cortaria metade da população de hoje, mas um por um era um risco que valia a pena. E chorava enquanto Letícia tentava confortá-la de que era algo bobo e que as duas continuariam felizes para criarem juntas o filho que viria no próximo mês.

Já passava das oito horas quando Luana finalmente conseguiu pegar no sono, enquanto o sol queimava do lado de fora. Pouco depois a terra tremeu. Do apartamento ao lado vinha a gritaria de um pastor gritando que Jesus ama a todos e a felicidade ia finalmente chegar. Engraçado a religião voltar à moda nos momentos mais difíceis. Jesus agora ama a todos. Talvez Deus então não ame. A terra continuava tremendo e Jesus ainda amava quando tudo parou e se tranqüilizou, sem grandes perdas e com as pessoas intocadas.

Mal pensavam que todos os especialistas podiam errar suas contas em pleno 2876. E na sexta-feira dois bilhões de pessoas se foram.

Nenhum comentário: