Em um jornal diário, 17h30 não costuma ser hora de ir pra rua. Foi quando surgiu uma pauta meio batida: falar de uma família que perdeu tudo por conta da chuva que castigou o DF neste domingo. Coisa simples. Ligar para a Defesa Civil, tentar achar um dos moradores por telefone e bater algumas linhas. Mas, como eu nunca tinha feito matéria do tipo, falei que iria a São Sebastião. Preferiria ver o drama da família de perto e conversar pessoalmente, mesmo sabendo que o relógio não para e o tempo para escrever seria curtíssimo.
Quando cheguei à rua 44, muitos minutos depois, o sol já tinha ido embora. Ao entrar na casa, começou o choque. Nenhuma faculdade te prepara para entrevistar uma família que perdeu tudo na chuva. Você é um agente externo que fará inúmeras perguntas difíceis em um curto espaço de tempo. Um estranho que tentará ouvir da família aquilo que eles só contarão para os amigos daqui a muito tempo.
Logo na entrada, Ana Lídia me recebeu muito bem. Mesmo abatida, mostrou tudo o que tinha perdido, os esforços da família para salvar o que fosse possível e me apresentou à sua filhinha, que fazia o enterro do periquito que morrera no desastre. A enxurrada que chegou a quase 2 metros de altura fez a família de 11 pessoas perder toda a comida que tinha estocada, todos os eletrodomésticos, todas as roupas, um armário novinho, um bom pedaço da parede e o periquito de estimação da filhinha de Ana Lídia.
Mas só uma coisa habitava minha cabeça: como eles ainda estavam ali se a Defesa Civil havia interditado a casa? Geraldo me explicou que a família tinha sido praticamente despejada, mas não tinha para onde ir. Entre ir para um abrigo improvisado no ginásio da cidade e ficar em casa, melhor ficar em casa. E o risco de desabamento? Agora é orar para que a chuva pare, responderam. Sim, mesmo com a casa correndo risco de cair. É casa própria, argumentaram.
Segundo o Instituto Nacional de Metereologia, Brasília receberá chuva nos três próximos dias. Como decidi fazer um texto menos carregado na emoção (ou simplesmente mais distante), minha notícia era a família que continua em uma área interditada pela Defesa Civil. Ou seja, mais uma destas matérias que começam sem graça e se tornam apenas mais uma.
Só depois percebi que, para fazer isso, poderia apenas ter falado com eles por telefone. A morte do periquito, que entrou só no último parágrafo, era o trunfo que eu tinha. Numa hora dessas é que o olho do repórter faz diferença. Para tornar a história humana, e sem apelar, poderia ter escolhido como lide o triste funeral do periquito. Afinal, não são estas pequenas coisas que fazem a vida ganhar sentido?
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