9.1.17

[Correio] A culpa é da corrupção

Por que não percebemos que dezenas de detentos estavam prestes a morrer degolados por causa da disputa de poder entre as duas maiores facções do crime organizado brasileiro? Os clãs que dominam as cadeias do país haviam rompido, em outubro, seu curioso acordo de paz. No mês seguinte, uma governadora foi ignorada pelo ministro da Justiça ao pedir apoio urgente. Essas cartas e tantas outras estavam à mostra, mas ignoramos o rumo do jogo.

Estávamos unidos ao não notar a estruturação dos massacres do Norte. Passou batido da sociedade, de nossas entidades representativas e de nossos investigadores. Só depois da primeira carnificina, a de Manaus, a Procuradoria-Geral da República teve a ideia de investigar o sistema penitenciário de quatro estados. Uma ação de marketing, típica do Executivo, em pleno Judiciário.

E a culpa é da corrupção. Sim, ela, a onipresente senhora das páginas de jornal e de revista, dos minutos de TV, das conversas de botequim e das exaltações infinitas em cada família brasileira a cada fase da Operação Lava-Jato.

O holofote mantido sobre os desvios bilionários e a apropriação da coisa pública levantaram uma cortina de fumaça capaz de impedir que qualquer outro tema ganhe espaço como debate nacional. Que a corrupção seja repudiada, perseguida, esconjurada. Mas a busca incessante da sociedade por heróis e vilões, 24 horas por dia, é que permite que o país saia andando sem que a babá eletrônica esteja ligada.

Acabamos assustados quando a edição de uma medida provisória virou do avesso o ensino médio? É porque não notamos que esse rumo vinha sendo tomado desde o desmanche do Conselho Nacional de Educação. Os investidores se surpreenderam com a entrega de campos do pré-sal a multinacionais em menos de um semestre de governo Temer? Faltou atenção ao texto da Ponte para o futuro e seus desdobramentos.

Os exemplos valem para a PEC do teto de gastos, a reforma da previdência com privilégios de classe mantidos, a precarização que bate à porta com a “modernização” das relações de trabalho. Enquanto o Brasil andava, a população se debruçava nas impraticáveis 10 medidas contra a corrupção, transformada pelo Congresso Nacional em 10 medidas nem tão desfavoráveis assim à corrupção. Em suma, tanta discussão para nada.

Você odeia, eu sei, a corrupção-sistêmica-que-aflige-a-política-brasileira-desde-os-tempos-do-império tanto quanto qualquer outro brasileiro-que-trabalha-5-meses-para-pagar-imposto. Mas deixo aqui uma proposição que possa ser seguida por algum tempo: até o dia 31, deixemos de pensar em planos e punições infalíveis contra a corrupção. Só um pouco, o suficiente para que deixemos de ser pegos de surpresa. E então, quer falar de quê?

Artigo publicado no Correio Braziliense de 9 de janeiro de 2017

Nenhum comentário: