Estávamos unidos ao não notar a estruturação dos massacres do Norte. Passou batido da sociedade, de nossas entidades representativas e de nossos investigadores. Só depois da primeira carnificina, a de Manaus, a Procuradoria-Geral da República teve a ideia de investigar o sistema penitenciário de quatro estados. Uma ação de marketing, típica do Executivo, em pleno Judiciário.
E a culpa é da corrupção. Sim, ela, a onipresente senhora das páginas de jornal e de revista, dos minutos de TV, das conversas de botequim e das exaltações infinitas em cada família brasileira a cada fase da Operação Lava-Jato.
O holofote mantido sobre os desvios bilionários e a apropriação da coisa pública levantaram uma cortina de fumaça capaz de impedir que qualquer outro tema ganhe espaço como debate nacional. Que a corrupção seja repudiada, perseguida, esconjurada. Mas a busca incessante da sociedade por heróis e vilões, 24 horas por dia, é que permite que o país saia andando sem que a babá eletrônica esteja ligada.
Acabamos assustados quando a edição de uma medida provisória virou do avesso o ensino médio? É porque não notamos que esse rumo vinha sendo tomado desde o desmanche do Conselho Nacional de Educação. Os investidores se surpreenderam com a entrega de campos do pré-sal a multinacionais em menos de um semestre de governo Temer? Faltou atenção ao texto da Ponte para o futuro e seus desdobramentos.
Os exemplos valem para a PEC do teto de gastos, a reforma da previdência com privilégios de classe mantidos, a precarização que bate à porta com a “modernização” das relações de trabalho. Enquanto o Brasil andava, a população se debruçava nas impraticáveis 10 medidas contra a corrupção, transformada pelo Congresso Nacional em 10 medidas nem tão desfavoráveis assim à corrupção. Em suma, tanta discussão para nada.
Você odeia, eu sei, a corrupção-sistêmica-que-aflige-a-política-brasileira-desde-os-tempos-do-império tanto quanto qualquer outro brasileiro-que-trabalha-5-meses-para-pagar-imposto. Mas deixo aqui uma proposição que possa ser seguida por algum tempo: até o dia 31, deixemos de pensar em planos e punições infalíveis contra a corrupção. Só um pouco, o suficiente para que deixemos de ser pegos de surpresa. E então, quer falar de quê?
Artigo publicado no Correio Braziliense de 9 de janeiro de 2017
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